domingo, 14 de setembro de 2008

Sobre um Chamado Aleixo

Segue um trecho de Grande Sertão: Veredas, de Rosa. Culpas e castigos nas lembranças de Riobaldo, meu filósofo preferido. Espero que apreciem.
"Mas, em verdade, filho, também, abranda. Olhe: um chamado Aleixo, residente a légua do Passo do Pubo, no da-Areia, era o homem de maiores ruindades calmas que já se viu. Me agradou que perto da casa dele tinha um açudinho, entre as palmeiras, com traíras, pra-almas de enormes, desenormes, ao real, que receberam fama; o Aleixo dava de comer a elas, em horas justas, elas se acostumaram a se assim das locas, para papar, semelhavam ser peixes ensinados. Um dia, só por graça rústica, ele matou um velhinho que por lá passou, desvalido rogando esmola. O senhor não duvide - tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta... Eh, pois, empós, o resto o senhor prove: vem o pão, vem a mão, vem o são, vem o cão. Esse Aleixo era homem afamilhado, tinha filhos pequenos; aqueles eram o amor dele, todo, despropósito. Dê bem, que não nem um ano estava passado, de se matar o velhinho pobre, e os meninos do Aleixo aí adoeceram. Andaço de sarampão, se disse, mas complicado; eles nunca saravam. Quando, então, sararam. Mas os olhos deles vermelhavam altos, numa inflama de sapiranga à rebelde; e susseguinte - o que não sei é se foram todos duma vez, ou um logo e logo outro e outro - eles restaram cegos. Cegos, sem remissão dum favinho de luz dessa nossa! O senhor imagine: uma escadinha três meninos e uma menina - todos cegados. Sem remediável. O Aleixo não perdeu o juízo; mas mudou: ah, demudou completo - agora vive da banda de Deus, suando para ser bom e caridoso em todas suas horas da noite e do dia. Parece até que ficou o feliz, que antes não era. Ele mesmo diz que foi um homem de sorte, porque Deus quis ter pena dele, transformar para lá o rumo de sua alma. Isso eu ouvi, e me deu raiva. Razão das crianças. Se sendo castigo, que culpa das hajas do Aleixo aqueles meninozinhos tinham?!"
Como esse blog não tem receita, vez por outra algumas coisas assim vão aparecer...

2 comentários:

Anônimo disse...

Eh, pois, empós, o resto o senhor prove: vem o pão, vem a mão, vem o são, vem o cão.

gostei dessa parte!

legal esse texto complexo como só sertão veredas consegue ser...

Tati disse...

vc tá monotemático????