sábado, 30 de agosto de 2008

Até 10 é acidente, não desastre....

Minha mãe me informa, vez ou outra (em nossas conversas telefônicas ou quando apareço por lá), das colisões automobilísticas ocorridas nas ruas da minha terra, e sempre começa com a mesma frase: "Ficou sabendo do desastre?" Nas primeiras vezes eu fiquei pensando nas dezenas de mortos e feridos, até que percebi que o termo desastre significava, no caso, qualquer colisão de veículo na qual houvesse, pelo menos, uma morte.
Não sei de onde surgiu esse hábito de informar sobre os acidentes de carro e demais dilemas do mundo cotidiano (assassinatos bárbaros, escândalos envolvendo pessoas conhecidas, etc.), mas acabei me acostumando com essa forma peculiar de diálogo. Só não me adaptei com a palavra "desastre". Não me parecia adequada.... Um dia, na intenção de convencer minha mãe a mudar para "acidente", inventei uma regra: "Mãe, até 10 mortes é acidente, acima de 10 mortes que é desastre...".
Ela parece não dar muita importância. Sempre que eu vou pra casa, ligo avisando, e o diálogo é mais ou menos assim:
--- Cuidado perto da ponte, essa semana teve outro desastre lá.
--- Mãe, morreram quantos?
--- Dois, marido e mulher.
--- Então não é desastre, mãe, é acidente.
--- Tá bom, mesmo assim, cuidado...
Pra completar, há um tempo atrás um ônibus bateu numa ponte e caiu no rio, não sei em qual cidade. Por óbvio, o tema surge numa conversa pouco tempo depois:
--- Ficou sabendo do desastre? --- e antes que eu fale algo ela completa, com um ar vago de quem teria um "ás" na manga --- do ônibus que caiu no rio?
Na hora eu penso na "regra" e imagino o número de mortos; uma tragédia. Olho pra ela como o adversário derrotado cumprimentando seu algoz. Fui batido no meu próprio jogo de palavras.
--- Fiquei sim, mãe...